O planeta Terra existe há 4,6 bilhões de anos. Os primeiros sinais de
vida surgiram há 3,8 bilhões, quando bactérias primitivas começaram a se
formar a partir de rudimentares moléculas orgânicas. Dali em diante,
por meio do processo de seleção natural, surgiram numerosas outras
espécies de seres vivos, que transformaram o planeta outrora estéril em
uma Terra cheia de vida. Há 200.000 anos, esse longo processo de
evolução culminou nos Homo sapiens. Nos milênios seguintes, o
homem construiu grandes civilizações por todo o planeta e, com avanço de
sua tecnologia, começou até a explorar outros mundos. Para aqueles que
acreditam no apocalipse maia, essa rica história tem hora marcada para
terminar: no dia 21 de dezembro, próxima sexta-feira.
Segundo os profetas do fim do mundo, algum misterioso cataclismo deverá
atingir a Terra nos próximos dias e pôr fim a toda a vida em sua
superfície — dos homens às bactérias. Para os cientistas, no entanto, a
profecia é uma bobagem. O mundo não acaba no ano 2012. Mas isso não quer
dizer que a história do planeta — e da vida nele — vá durar para
sempre.
Os profetas do apocalipse maia se baseiam em inscrições realizadas em
pedaços de pedra com mais de mil anos, descobertas no século 20 e mal
interpretadas desde então. Essas inscrições representariam o calendário
usado pelo povo maia, que duraria exatos 5.125 anos e teria fim
precisamente no próximo dia 21. Daí para concluir que eles previram o
fim do mundo foi um pulo. Um dos primeiros a destacar essa data foi o
escritor americano — e teórico da Nova Era — José Argüelles. No livro O Fator Maia,
escrito há 25 anos, ele misturou misticismo, astrologia e arqueologia
para dizer que os maias previram que 2012 marcaria uma nova era de paz e
harmonia na Terra.
A ideia foi ganhando adeptos — principalmente dentro das fileiras do
misticismo e da ufologia — e se transformando até que 2012 passasse a
representar o fim da espécie humana. Com a proximidade da data, o
apocalipse maia virou um fenômeno pop. Foi tema de filmes, revistas,
livros, palestras. Segundo uma pesquisa da Ipsos Global Public Affairs,
pelo menos 10% das pessoas ao redor do mundo sentem algum tipo de medo
ou ansiedade em relação à data. Mas, quando elas acordarem no dia 22 e
nada tiver mudado, existe um povo que elas não poderão culpar pelo
engano: os próprios maias.
Calendários e ciclos — Em outubro, líderes religiosos
maias se reuniram na Guatemala. Eles faziam parte de um grupo chamado
Oxlajuj Ajpop, que tem por função defender as tradições de seu povo.
Todos se diziam ultrajados com o que estava sendo veiculado sobre as
previsões de fim do mundo. "Nós estamos nos pronunciando contra a
falsidade, as mentiras e a distorção da verdade, que nos transformam em
folclore em busca de lucros. Eles não estão dizendo a verdade sobre os
ciclos de tempo", disse Felipe Gomez, líder do Oxlajuj Ajpop à agência France-Presse.
Os maias foram uma civilização avançada que habitou o sul do México e o
norte da Guatemala entre os anos 1.800 a.C. e 950 d.C. Eles foram
capazes de decifrar e prever o movimento de estrelas e planetas por
anos. Pensavam também que pela leitura dos astros poderiam antever como
as coisas aconteceriam aqui na Terra. Mesmo assim, nunca previram o fim
do mundo.
Acontece que o calendário mencionado pelos que esperam pelo apocalipse é
apenas um dentre os muitos que os maias usavam. Ele é o calendário de
contagem longa, que estipula grandes unidades de tempo. Nele, cada 20
anos (ou tuns, como eram chamados) formavam um katun. Cada 20 katuns
formavam um baktun, sua maior unidade de tempo. Depois de 13 baktuns, ou
5.125 anos, o calendário recomeçava do zero. Segundo as evidências
arqueológicas, é esse recomeço que está marcado para o próximo dia 21.
Mas isso não queria dizer muita coisa. Pesquisadores sérios, que se
debruçaram sobre as inscrições, dizem que os maias encaravam o fim do
calendário como o fim de uma era. Depois de chegar à data final, a
contagem de tempo simplesmente recomeçaria – como os ocidentais fazem
quando seu calendário chega ao dia 31 de dezembro.
Não existe nenhum texto maia falando sobre o apocalipse propriamente
dito. Já foram encontradas inscrições falando sobre eras anteriores e
posteriores à atual. O arqueólogo William Saturno, da Universidade de
Boston, encontrou no sítio arqueológico de Xultun, na Guatemala, murais
maias representando cálculos matemáticos que iam até 7.000 anos no
futuro, bem depois do previsto fim do mundo.
Rota de colisão – Na verdade, a apocalipse maia tem
mais a dizer sobre a sociedade atual do que sobre os próprios maias.
Apesar de continuamente desmentidas por cientistas, as teorias do fim do
mundo continuam aparecendo de tempos em tempos, estejam elas
registradas em livros, como as profecias de Nostradamus, ou nos
hardwares de computadores, como o Bug do Milênio. Os boatos
apocalípticos sempre correram mais rápido do que o desmentido científico
- e agora contam com a velocidade da internet. Uma simples busca no
Google pelos termos maia e fim do mundo retorna 102.000.000 resultados.
Uma das teorias mais populares que surgiram a partir da profecia maia
diz respeito a Nibiru, um planeta desconhecido que iria colidir com a
Terra no final de 2012. A ideia tem início nos escritos do autor
azerbaijano Zecharia Sitchin. A partir de interpretações muito pessoais
da mitologia babilônica, ele afirmava que a Terra teria sido colonizada
por alienígenas vindo do planeta Nibiru, localizado além de Netuno e com
uma órbita elíptica de 3.600 anos em torno do Sol. Apesar de contestado
pelos historiadores, que diziam que sua ideia não tinha nenhuma base
nos registros da Babilônia, a ideia prosperou, foi adotada por toda
sorte de místicos nos anos 1990 e acoplada ao apocalipse maia.
Uma busca no Google pelas palavras Nibiru e 2012 retorna 13.600.000
resultados. A repercussão do boato sobre um planeta invisível em rota de
colisão com a Terra atingiu até mesmo os cientistas da Nasa. David
Morrison, pesquisador do Instituto de Astrobiologia da Nasa, diz que
recebe mais de 20 e-mails por semana perguntando sobre o tema e resolveu
responder ao boatos em um texto postado no site da agência. "Para um
astrônomo, as declarações persistentes sobre um planeta que está, ao
mesmo tempo, próximo e invisível é ridícula", escreveu. Segundo o
pesquisador, se o planeta existisse teria sido visto por milhares de
astrônomos amadores. Além disso, desde o começo de 2012, o planeta
estaria visível para qualquer um que olhasse para o céu. "Ninguém pode
esconder um planeta que vai nos atingir em um ano."
Outra teoria usada para explicar o fim do mundo próximo cita um
excêntrico alinhamento cósmico que faria, no dia 21, com que a Terra, o
Sol e o buraco negro no centro de nossa galáxia ficassem em uma mesma
linha reta. Para os profetas, a gravidade decorrente desse processo
causaria danos irrecuperáveis ao nosso planeta. Segundo a Nasa, no
entanto, esse fenômeno é muito comum e não tem nenhuma consequência
gravitacional bizarra. "Isso acontece todo dezembro, sem nenhuma
consequência ruim, e não há nenhuma razão para esperar que 2012 será
diferente de qualquer outro ano", disse David Morrison, em mais um
documento em que a ciência rebate os boatos apocalíticos.
Ciência do fim do mundo — Apesar de baterem de frente
com os defensores do apocalipse maia, os cientistas não afirmam que a
vida humana vá durar para sempre. Ao contrário, eles sabem que a
história dos Homo sapiens, e da civilização que conseguiram
construir no terceiro planeta do Sistema Solar, terá de chegar ao fim -
em um futuro ainda distante. Daqui a um bilhão de anos, a radiação solar
deve aumentar de intensidade a ponto de queimar o que estiver vivo e
evaporar toda a água da Terra. Se o homem conseguir bolar algum jeito de
sobreviver, em quatro bilhões de anos a Galáxia de Andrômeda deve se
chocar com a Via Láctea, causando uma série de colisões estelares. Se a
Terra passar incólume, em cinco bilhões de anos o Sol se tornará uma
estrela gigante vermelha, e consumirá o planeta em suas chamas.
Mas não é necessário esperar tanto tempo. No passado, extinções em
massa já foram causadas pela atividade vulcânica e por mudanças
climáticas. Há 65 milhões de anos, o impacto de um asteroide causou a
extinção dos dinossauros. Não se sabe quando esses tipos de eventos
podem voltar a acontecer. Segundo alguns cálculos, pelo menos 99% das
espécies que já habitaram o planeta estão extintas. Até quando a
humanidade pode driblar seu destino inescapável?
Com o avanço tecnológico, os prognósticos se tornam, paradoxalmente,
menos otimistas. Por 200 milênios, os humanos foram capazes de
sobreviver aos desastres naturais, mas agora começaram a criar seus
próprios riscos. Foi só no século 20 que eles se tornaram capazes de
criar uma tecnologia com potencial de exterminar toda a vida na Terra: a
bomba atômica. Em 1947, pesquisadores da Universidade de Chicago
criaram o Relógio do Juízo Final, para medir o quanto a humanidade está
perto de acabar com sua própria existência. No início, só levavam em
conta os perigos da guerra nuclear, mas já adotaram o aquecimento global
em seus cálculos. Hoje, o relógio está a cinco minutos da meia-noite.
Segundo o astrofísico inglês Martin Rees, professor da Universidade de Cambridge e autor do livro Hora Final - Alerta de Um Cientista
(Companhia das Letras), as chances de a humanidade sobreviver ao século
21 são de apenas 50%. Isso por causa do desenvolvimento de novas
tecnologias que podem ter impacto global, como o terrorismo biológico e a
nanotecnologia. Em 2008, pesquisadores reunidos na Universidade de
Oxford para participar da Conferência de Riscos Catastróficos Globais
previram o risco de extinção humana no próximo século como sendo de 19%.
O próprio astrônomo inglês Stephen Hawking propôs que a humanidade deve
abandonar a Terra e colonizar outros planetas se quiser escapar da
extinção.
Correndo contra o tempo — Os cientistas, no entanto,
não defendem que fiquemos parados frente a estes prognósticos
desastrosos. Duas das mais importantes universidades do mundo já criaram
centros dedicados a estudar os riscos que podem pôr fim à vida humana e
a pensar, se possível, em modos de preveni-los. Em 2005, a Universidade
de Oxford criou o Instituto do Futuro da Humanidade dentro de sua
Faculdade de Filosofia. Em 2012, a Universidade de Cambridge uniu
pesquisadores da filosofia, cosmologia e do desenvolvimento de softwares
para dar início ao Centro para o Estudo do Risco Existencial.
Segundo o filósofo Nick Bostrom, diretor do centro de Oxford, existem
diversos tipos de eventos que podem ameaçar a humanidade. Em um dos
primeiros estudos do tipo, ele classifica os riscos conforme sua
localidade e intensidade. Existem eventos locais e toleráveis, como
seria o caso de um intenso apagão que atinja todo o continente
americano. É claro que esse tipo de desastre é preocupante e pode levar
uma parte da humanidade de volta à era pré-industrial, mas mais
perigosos são os eventos globais e terminais. Bostrom chama esse tipo de
evento de Risco Existencial, pois levaria à extinção do Homo sapiens.
O filósofo sustenta que os cientistas e governantes devem agir agora em
relação a esses riscos, pois, quando acontecerem, não haverá tempo para
reação. "Nossa abordagem aos Riscos Existenciais não pode ser a da
tentativa e erro. Não existe oportunidade de aprender com o erro",
escreve. Já existem diversos projetos nesse sentido. A Nasa mapeia o
espaço em busca de todos os grandes asteroides e cometas que ameacem se
chocar com a Terra. Pesquisadores se reúnem regularmente para estudar e
inventar maneiras de combater o aquecimento global – embora os governos
não costumem ajudar. Existem tratados internacionais de não proliferação
de armas biológicas e nucleares. Cientistas de todas as partes do
planeta fundaram grupos dedicados estudar maneiras seguras de
desenvolver a nanotecnologia e a inteligência artificial.
Com tanto em jogo, cada possível cenário catastrófico deve ser
analisado, por mais inverossímil que pareça. Em 1983, o astrônomo Carl
Sagan escreveu um documento sobre os perigos trazidos pelas bombas
nucleares cada vez mais avançadas. Ele comparou o risco de uma guerra
nuclear que matasse centenas de milhões de pessoas com o risco de uma
guerra que exterminasse toda a humanidade – como parecia cada vez mais
provável. "Se formos calibrar a extinção em termos numéricos, temos que
incluir o número das pessoas de gerações futuras, que serão impedidas de
nascer. A guerra nuclear põe em perigo todos os nossos descendentes,
até quando os seres humanos seriam capazes de existir", escreve. Segundo
seus cálculos, a extinção representaria a morte de mais de 500 trilhões
de pessoas. "A extinção é a ruína de todo o empreendimento humano",
conclui Sagan. Hoje, quando os perigos criados pelo homem são maiores e
mais numerosos do que a guerra nuclear, o cuidado é ainda mais
necessário. Baixar a guarda pode ser fatal.
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