© FAPESP (infográfico do nascimento de um superburaco negro)
Nenhum
objeto astrofísico conhecido pode originar uma aberração dessas, de
forma que o segredo de sua origem se perde na aurora do Universo. Agora
um novo modelo concebido por pesquisadores brasileiros pode ajudar a
explicar o aparecimento e a evolução de criaturas tão importantes quanto
misteriosas do zoológico cósmico.
Não é difícil
fabricar um buraco negro qualquer. Toda estrela com massa
suficientemente elevada, ao esgotar seu combustível, implode sob seu
próprio peso e se torna um. Trata-se de um objeto cuja gravidade é tão
intensa que nada pode escapar de sua superfície, nem a luz.
Acontece
que as estrelas de maior massa conhecidas hoje têm cerca de 150 vezes a
massa do Sol. Antes de virar um buraco negro, estrelas desse tipo – as
gigantes azuis – explodem na forma de supernova e perdem boa parte de
sua massa original. Na melhor das hipóteses, sobra um buraco negro com
algumas dezenas de massas solares. Como chegar aos milhões de sóis dos
buracos negros no centro das galáxias?
Para os
astrofísicos Eduardo dos Santos Pereira e Oswaldo Miranda, do Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), em São José dos Campos, no
interior paulista, circunstâncias especiais no passado cósmico teriam
permitido o surgimento desses colossos. Em primeiro lugar, nos
primórdios o Universo possibilitava a formação de estrelas bem maiores
do que as de hoje. Essas estrelas de massa muito elevada seriam
perfeitamente capazes de gerar as sementes dos atuais glutões
galácticos, que, em bilhões de anos, aumentariam de massa engolindo
objetos que caíssem em seu crescente campo gravitacional.
Esse
processo conhecido como acreção já era mais ou menos visto como
consenso entre os astrofísicos. Contudo, ele sempre foi usado com alguma
arbitrariedade. “A questão do crescimento dos buracos por acreção
sempre foi tratada de forma meio ad hoc”, diz Miranda. “Os
pesquisadores determinam uma taxa de acreção de massa e a ajustam para
atingir a massa que os buracos negros teriam de ter no presente.”
O
grande salto do trabalho, publicado no final de 2011, foi demonstrar
que é possível explicar o surgimento dos buracos negros de massa muito
elevada a partir da taxa de formação estelar cósmica – um número que
descreve quantas estrelas nascem, em média, a cada momento da vida do
Universo. “Muita gente procurava esse vínculo que encontramos”, afirma
Miranda.
Uma questão intrigante acerca dos
superburacos negros é a relação deles com a formação das galáxias que
habitam. Seriam eles as sementes em torno das quais as estrelas se
agrupam? Ou a formação das galáxias induziria o surgimento do buraco
negro no centro?
Coevolução
Aparentemente, a resposta é uma coevolução dos dois fenômenos, motivada por um terceiro elemento: a matéria escura. Halos dessa misteriosa componente – ela responde pela maior parte da matéria do Universo e só interage com as partículas convencionais por meio da força gravitacional – induziriam o surgimento de estrelas gigantescas no início do Cosmo e, mais tarde, aglomerariam a matéria circundante em seu interior, fornecendo os “tijolos” para a construção das galáxias. Nesse contexto, os buracos negros antecederiam a formação das galáxias, mas ambos evoluiriam sob influência da matéria escura.
Aparentemente, a resposta é uma coevolução dos dois fenômenos, motivada por um terceiro elemento: a matéria escura. Halos dessa misteriosa componente – ela responde pela maior parte da matéria do Universo e só interage com as partículas convencionais por meio da força gravitacional – induziriam o surgimento de estrelas gigantescas no início do Cosmo e, mais tarde, aglomerariam a matéria circundante em seu interior, fornecendo os “tijolos” para a construção das galáxias. Nesse contexto, os buracos negros antecederiam a formação das galáxias, mas ambos evoluiriam sob influência da matéria escura.
O novo trabalho
também indica que o crescimento dos buracos negros gigantes no centro
das galáxias pode se dar de forma paulatina nos 13,5 bilhões de anos que
se sucederam ao surgimento das primeiras estrelas. A maioria dos
modelos anteriores sugeria a necessidade de um crescimento
hiperacelerado, que não casava bem com o que se entendia dos mecanismos
de acreção envolvidos.
Outra consequência
importante é que, estabelecida a relação entre a taxa de formação
estelar e o crescimento dos buracos negros gigantes, foi possível
estimar o comportamento desses buracos negros no passado remoto. Essas
previsões podem vir a ser confirmadas pela próxima geração de
telescópios, como o James Webb, projetado pela NASA para substituir o
Hubble na próxima década.
“O modelo explica os
observáveis, desde que os buracos negros sementes tenham mil massas
solares. Esse é o problema”, avalia João Steiner, astrônomo da
Universidade de São Paulo. Para ele, não está claro que o Universo
primordial, mesmo com condições favoráveis ao surgimento de estrelas
maiores, possa ter gerado buracos negros dessa magnitude.
Estrelas
maiores podem ter surgido no passado distante em consequência da
composição mais simples do Universo primordial. Logo após o Big Bang,
quando as primeiras estrelas teriam se formado, os únicos elementos
químicos disponíveis seriam o hidrogênio e o hélio. Átomos mais pesados –
como oxigênio e carbono, essenciais à vida – só surgiriam mais tarde,
depois que os primeiros astros começassem a explodir em supernovas. Com
menos elementos pesados, que fragmentam as nuvens de gás reduzindo a
chance de formar objetos de massa elevada, estrelas muito maiores que as
atuais podem ter existido.
Mas seriam tão
maiores assim? “Há uma esperança de que a resposta esteja aí”, diz
Steiner. “Mas talvez seja só um desejo dos pesquisadores. Por que não se
formam estrelas muito massivas, por exemplo, na Pequena Nuvem de
Magalhães? Lá há uma metalicidade [presença de elementos pesados] quase
primordial.” Para Miranda, na falta de exemplos observáveis, é preciso
se apoiar em criações teóricas. “Simulações computacionais”, diz,
“mostram que estrelas de 500 a mil massas solares seriam comuns no
Universo primordial”.