segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Explorando a transição de fótons

Objetos quânticos são notavelmente esquivos. Tome um fóton como exemplo.


© CNRS (explorando a contínua transição de fótons)
O quantum de luz pode agir como partícula, seguindo um caminho bem definido como se fosse um minúsculo projétil; e no momento seguinte agir como uma onda, sobrepondo-se a outras para produzir padrões de interferência muito parecidos com ondulações na água.

A dualidade onda-partícula é uma característica fundamental da mecânica quântica, uma que não se compreende facilmente nos termos intuitivos da experiência cotidiana. Mas a natureza dupla de entidades quântico-mecânicas fica ainda mais estranha. Novos experimentos demonstram que fótons não apenas mudam de ondas para partículas, e de volta para ondas; mas que podem, na verdade, exibir tendências de ondas e partículas ao mesmo tempo. De fato, um fóton pode atravessar um complexo aparato ótico e desaparecer para sempre em um detector sem ter decidido sua identidade – assumindo uma natureza de onda ou partícula só depois de já ter sido destruído.

Há poucos anos, físicos mostraram que um fóton “escolhe” se quer agir como onda ou partícula quando é forçado a isso. Se, por exemplo, um fóton for enviado a um de dois caminhos por um divisor de feixes (uma espécie de bifurcação na estrada ótica), e cada um desses caminhos levar a um detector de fótons, o fóton terá a mesma probabilidade de aparecer em qualquer um dos detectores. Em outras palavras, o fóton simplesmente escolhe uma das rotas e a segue até o fim, como uma bolinha de gude em um tubo. Mas se os caminhos divididos se recombinarem antes dos detectores, permitindo que os conteúdos dos dois canais interfiram como ondas que fluem ao redor de um pilar e se reencontram do outro lado, um fóton demonstra efeitos de interferência ondulatória, essencialmente passando pelos dois caminhos ao mesmo tempo. Se você mede um fóton como uma onda, ele age como uma. 

Pode-se suspeitar que os fótons simplesmente assumem um ou outro comportamento – onda ou partícula – com antecedência, ou quando atingem o divisor de feixes. Mas um experimento de 2007 sobre a “escolha tardia” eliminou essa possibilidade. Físicos usando um interferômetro, um dispositivo experimental que inclui o divisor de feixes, alternaram entre combinar os caminhos e mantê-los separados. Mas eles só decidiam entre um ou outro depois de o fóton ter passado pelo divisor de ondas. Mesmo assim os fótons demonstraram efeitos de interferência quando recombinados, ainda que (pelo menos em um mundo simples) as partículas já devessem ter sido forçadas a escolher qual caminho tomar.

Agora dois grupos de pesquisa utilizaram uma versão ainda mais bizarra do experimento de escolha tardia. Em dois estudos publicados na edição de novembro da Nature, uma equipe sediada na França e um grupo da Inglaterra relataram usar um interruptor quântico para modificar o dispositivo experimental. Exceto que, nesse experimento, o interruptor só foi ativado – assim forçando o fóton a agir como onda ou como partícula – depois que os físicos já haviam identificado o fóton em um dos detectores.

Ao mudar as configurações do dispositivo, as duas equipes não apenas conseguiram forçar o fóton experimental a se comportar como partícula ou onda, mas também conseguiram explorar estados intermediários. “Podemos mudar o comportamento do fóton de teste, de onda para partícula, continuamente”, declara Sébastien Tanzilli, coautor do estudo e físico especializado em ótica quântica do Centro Nacional de Pesquisas Físicas (CNRS) em Paris, que atualmente está na Universidade de Nice Sophia Antipolis. “Entre os dois extremos, nós temos estados que surgem com interferência reduzida. Então temos uma superposição de onda e partícula”.

A chave dos dois experimentos é o uso de um interruptor quântico no aparato, que permite ao interferômetro ficar em superposição para medir comportamentos ondulatórios ou particulados. “Nos tradicionais experimentos de escolha tardia, sempre há um grande interruptor binário clássico em algum lugar do aparato”, explica Peter Shadbolt, coautor do outro estudo e aluno de doutorado em mecânica quântica da University of Bristol, na Inglaterra. “Ele tem ‘onda’ escrito de um lado e ‘partícula’ do outro. O que fazemos é substituir o interruptor clássico com um qubit, um bit quântico, que é um segundo fóton em nosso experimento”.

O interruptor quântico determina a natureza do aparato – se os dois caminhos óticos se recombinam para formar um interferômetro fechado, que mede propriedades ondulatórias, ou se permanecem separados para formar um interferômetro aberto, que detecta partículas discretas. Mas em ambos os casos a abertura ou fechamento do interferômetro – e a passagem do fóton pelo aparato como partícula ou onda, respectivamente – não era determinada até que os físicos medissem um segundo fóton. O destino do primeiro fóton estava ligado ao estado do segundo pelo fenômeno do emaranhamento quântico, em que objetos quânticos compartilham propriedades correlatas. 

No experimento do grupo de Bristol, o estado do segundo fóton determina se o interferômetro está aberto, fechado, ou em uma superposição de ambos, o que por sua vez determina a identidade de partícula do primeiro fóton. “Em nosso caso, essa escolha está mais para uma escolha quântica”, observa Shadbolt. “Sem esse tipo de abordagem, não seríamos capazes de ver essa transformação entre onda e partícula”.
O dispositivo construído pelo grupo de Tanzilli funciona de maneira semelhante, o interferômetro fica fechado para fótons verticalmente polarizados (agem como ondas) e aberto para fótons horizontalmente polarizados (que se comportam como partículas). Tendo enviado um fóton de teste pelo aparato, os pesquisadores mediram um companheiro emaranhado do fóton 20 nanosegundos depois, para determinar a polarização do fóton de teste e assim identificar em qual dos lados da divisão onda-partícula ele estava.

Graças à estrutura do experimento e à natureza do emaranhamento, a natureza de onda ou partícula do fóton de teste só foi determinada quando o segundo fóton foi medido – em outras palavras, 20 nanosegundos depois do fato. “O fóton de teste nasce no interferômetro e é detectado, o que significa que é destruído”, aponta Tanzilli. “Depois disso, determinamos seu comportamento”.  Essa ordem de operações leva o conceito de escolha tardia ao extremo. “Isso significa que espaço e tempo parecem não ter qualquer papel nesse caso”, adiciona Tanzilli.

O pesquisador de informações quânticas Seth Lloyd, do Massachusetts Institute of Technology, em um comentário para a Science que acompanhava os dois artigos, batizou o fenômeno de “procrastinação quântica”, ou “proquanstinação”. “Na presença do emaranhamento quântico (no qual os resultados das medidas são mantidos juntos)”, escreveu ele, “é possível evitar tomar uma decisão, mesmo se os eventos parecerem já terem feito isso”.

Os novos experimentos adicionam outra ruga no estranho mundo da mecânica quântica, onde um fóton aparentemente pode ser o que quiser, quando quiser. “Feynman dizia que esse era o verdadeiro mistério da mecânica quântica”, lembra Shadbolt, falando sobre a dualidade onda-partícula. A mecânica quântica é profundamente estranha, completamente sem análogos clássicos, e tudo o que podemos fazer é aceitá-la assim.


Fonte: Scientific American Brasil


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