quarta-feira, 27 de junho de 2012

Nova maneira de estudar atmosferas de exoplanetas

Uma nova técnica permitiu aos astrônomos estudarem pela primeira vez a atmosfera de um exoplaneta em detalhe, embora este não passe em frente da sua estrela hospedeira.


© ESO (ilustração do exoplaneta Tau Boötis b)
Uma equipe internacional utilizou o Very Large Telescope (VLT) do ESO para captar diretamente o fraco brilho do planeta Tau Boötis b. A equipe estudou a atmosfera do planeta e determinou pela primeira vez a sua órbita e massa de forma precisa; resolvendo assim um velho problema de 15 anos. Surpreendentemente, a equipe também descobriu que a atmosfera do planeta parece ser mais fria a maior altitude, o contrário do que se esperava. Os resultados serão publicados amanhã na revista Nature.
O planeta Tau Boötis b foi um dos primeiros exoplanetas a ser descoberto em 1996 e continua a ser um dos sistemas planetários mais próximos que se conhece. Embora a sua estrela hospedeira seja facilmente visível a olho nu, o planeta propriamente dito não o é, e até agora conseguia apenas detectar-se pelo efeito gravitacional que exerce sob a estrela. Tau Boötis b é um planeta grande e quente do tipo de Júpiter que orbita muito próximo da estrela hospedeira.
Tal como a maioria dos exoplanetas, este planeta não transita o disco da sua estrela (como o recente trânsito de Vênus). Até agora estes trânsitos eram essenciais para o estudo das atmosferas dos exoplanetas: quando um planeta passa em frente da sua estrela deixa uma marca das características da atmosfera na radiação estelar. Como nenhuma radiação estelar atravessa a atmosfera de Tau Boötis b em nossa direção, isso implicava que até agora a atmosfera do planeta não podia ser estudada.
No entanto, depois de 15 anos tentando estudar o fraco brilho emitido por exoplanetas quentes do tipo de Júpiter, os astrônomos conseguiram pela primeira vez determinar a estrutura da atmosfera de Tau Boötis b e deduzir a sua massa de forma precisa. A equipe utilizou o instrumento CRICES (CRyogenic InfraRed Echelle Spectrometer) montado no VLT, instalado no Observatório do Paranal do ESO, no Chile. Os astrônomos combinaram observações infravermelhas de alta qualidade (em comprimentos de onda da ordem dos 2,3 microns) com uma técnica nova que consegue extrair o fraco sinal emitido pelo planeta, da radiação muito mais forte emitida pela estrela hospedeira. Em comprimentos de onda infravermelhos, a estrela hospedeira emite menos radiação que no regime óptico, por isso este é o comprimento de onda favorável para separar o fraco sinal emitido pelo planeta. Este método utiliza a velocidade do planeta em órbita da sua estrela hospedeira para separar a emissão planetária da emissão estelar e também da emissão vinda da própria atmosfera terrestre. A mesma equipe de astrônomos testou esta técnica anteriormente num planeta que transita, medindo a velocidade orbital durante a sua passagem em frente ao disco estelar.
O autor principal do estudo Matteo Brogi (Observatório de Leiden, Holanda) explica: "Graças à elevada qualidade das observações fornecidas pelo VLT e pelo CRICES conseguimos estudar o espectro do sistema com muito mais detalhe do que o que era possível até agora. Apenas 0,01% da radiação observada é emitida pelo planeta, enquanto que o resto vem da estrela, por isso não foi nada fácil separar esta contribuição".
A maioria dos planetas que orbitam outras estrelas foram descobertos pelo efeito gravitacional que exercem nas estrelas hospedeiras, o que limita a informação que podemos retirar sobre a sua massa: apenas podemos calcular um limite inferior para a massa do planeta. Isto deve-se ao fato da inclinação da órbita ser geralmente desconhecida. Se a órbita do planeta está inclinada relativamente à linha de visão entre a Terra e a estrela, então um planeta com maior massa causa o mesmo efeito de movimento para trás e para a frente da estrela que um planeta mais leve numa órbita menos inclinada, não sendo possível separar os dois efeitos. Esta nova técnica é muito mais poderosa. Conseguir observar a radiação que vem diretamente do planeta permitiu aos astrônomos medir o ângulo da órbita do planeta e consequentemente determinar a sua massa de forma precisa. Ao traçar as variações do movimento do planeta à medida que este orbita a estrela, a equipe pôde determinar, pela primeira vez, que Tau Boötis b orbita a sua estrela hospedeira com um ângulo de 44 graus e tem uma massa igual a seis vezes a massa do planeta Júpiter no nosso Sistema Solar.


© ESO (visão de campo amplo da estrela hospedeira)
"As novas observações do VLT solucionam o problema, presente há 15 anos, da massa de Tau Boötis b. E a nova técnica significa também que agora podemos estudar as atmosferas de exoplanetas que não transitam as suas estrelas, e também medir as suas massas de forma precisa, o que era impossível antes", diz Ignas Snellen (Observatório de Leiden, Holanda), co-autor do artigo científico que descreve o trabalho.
Além de detectar o brilho da atmosfera e medir a massa de Tau Boötis b, a equipe estudou a atmosfera e mediu a quantidade de monóxido de carbono presente, assim como a temperatura a diferentes altitudes por meio da comparação entre as observações e modelos teóricos. Um resultado surpreendente deste trabalho é de que as novas observações indicam que a temperatura da atmosfera decresce com a altitude. Este resultado é o oposto do esperado da inversão de temperatura - um aumento da temperatura com a altitude - encontrada em outros exoplanetas quentes do tipo de Júpiter. Pensa-se que as inversões térmicas são caracterizadas pelas bandas moleculares em emissão no espectro, em vez das em absorção, tal como observado na fotometria de exoplanetas quentes do tipo de Júpiter com o telescópio espacial Spitzer. O exoplaneta HD209458b é o melhor exemplo de inversões térmicas em atmosferas de exoplanetas. Esta observação apoia modelos nos quais a emissão ultravioleta forte associada a atividade cromosférica, semelhante à exibida pela estrela hospedeira de Tau Boötis b - é responsável pela inibição da inversão térmica.
As observações do VLT mostram que a espectroscopia de alta resolução obtida por telescópios terrestres é uma ferramenta valiosa na análise detalhada das atmosferas de exoplanetas que não transitam. A detecção de diferentes moléculas no futuro permitirá aos astrônomos aprender mais sobre as condições atmosféricas do planeta. Ao medir estas condições atmosféricas ao longo da órbita do planeta, os astrônomos poderão até ser capazes de encontrar variações atmosféricas entre as manhãs e as tardes do planeta.

Fonte: ESO

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