A notícia de que cientistas teriam observado neutrinos viajando a uma velocidade maior que a da luz causou sensação no público há cerca de duas semanas e ainda continua gerando furor na comunidade científica.
Mas um grupo de físicos brasileiros, ligados à Sociedade Brasileira de Física, afirma que a medição de velocidade feita pelo grupo europeu do experimento Opera provavelmente não está correta.
E eles já estão se aprontando para ajudar a desvendar o mistério.
A partir de março de 2013, um grupo de físicos brasileiros vai acompanhar em Chicago (EUA) um outro experimento científico, chamado MINOS (Main Injector Neutrino Oscillation Search), que pode confirmar ou rejeitar as medições feitas pelo grupo europeu.
Na verdade, uma equipe do próprio MINOS já havia apresentado um resultado semelhante, que teria detectado neutrinos superluminais, mas a precisão da medição foi muito baixa, e os resultados não foram aceitos pela comunidade científica.
Ironicamente, agora a comunidade científica espera que o MINOS alcance uma precisão suficiente para desmentir os resultados da equipe europeia.
Neutrinos superluminais
Caso os resultados estejam corretos, eles deverão abalar uma das principais fundações sobre as quais a física moderna está alicerçada: a teoria da relatividade restrita, concebida por Albert Einstein em 1905.
Os cientistas do OPERA (Oscillation Project with Emulsion-Tracking Apparatus), chegaram à conclusão que os neutrinos que chegaram ao laboratório Gran Sasso, na Itália, disparados da Suíça, a mais de 700 km de distância, viajaram 7 quilômetros por segundo (km/s) mais rápido do que a velocidade da luz, o que contraria a chamada teoria da relatividade restrita.
Pelas equações de Einstein, a velocidade máxima permitida no universo seria a da luz - exatos 299.792.458 metros por segundo. Acelerar qualquer objeto ou partícula além desse limite exigiria uma energia infinita, o que obviamente jamais estaria disponível.
Contudo, sem qualquer energia extra, os neutrinos detectados pelo OPERA chegaram 60 bilionésimos de segundo na Itália antes do que a luz o faria.
Ao anunciarem seus resultados, os próprios cientistas do Opera foram enfáticos ao pedir que outros cientistas verificassem seus dados e suas técnicas, para ajudar a encontrar algum erro que eles não foram capazes de identificar.
Erros sistemáticos
Neste momento, há mais ceticismo do que entusiasmo na comunidade científica. "Se fosse verdade, seria fantástico, mas é muito difícil ser verdadeiro," afirmou Ronald Shellard, físico do CBPF. "A possibilidade de erros numa medida dessas, o que a gente chama de erros sistemáticos, causados por efeitos não levados em conta, como a variação do tamanho da Terra, ou efeitos de maré, podem explicar a discrepância."
A expectativa dos físicos brasileiros é que o MINOS aponte algum desses erros sistemáticos, que tenha levado a um resultado distorcido.
"O erro total não é apenas estatístico, tem o erro sistemático que envolve os problemas de medida do próprio detector e da linha do feixe que produz a luz de neutrinos, e todos os equipamentos usados para fazer alguma medida útil dos resultados", explica o pesquisador Ricardo Avelino Gomes, da Universidade Federal de Goiás (UFG) e um dos brasileiros que trabalha no MINOS.
Para os físicos brasileiros, um dos indícios de que os neutrinos não são mais rápidos que a luz é uma observação feita na Argentina em 1987 de uma supernova na Nuvem de Magalhães, a galáxia mais próxima da Via Láctea. Os neutrinos "chegaram meses depois de quando se esperava", lembra Ronald Shellard.
Outro experimento que poderá testar o mistério dos neutrinos turbinados é o Super Kamiomande no Japão, cujos neutrinos viajam até um detector por um túnel de 295 km de extensão.
O professor Shellard tem esperança de que até o final desta década, o Brasil, a Argentina e o Chile façam um experimento conjunto semelhante ao do Opera, chamado ANDES, em uma caverna que poderá ser aberta ao lado do Túnel Água Negra, na estrada que liga San Juan (na Argentina) à La Serena (Chile).
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) está financiando a elaboração do projeto de engenharia do túnel. A distância do local para o acelerador de partículas do CERN (na Suíça), onde está instalado o LHC, é 13 vezes maior (10 mil km) do que o experimento do Opera.
Tempo de voo
"Foi uma medição direta do tempo de voo", diz Antonio Ereditato, físico da Universidade de Berna, na Suíça, e representante do grupo que fez a medição dos neutrinos superluminais. "Medimos a distância e medimos o tempo, então calculamos a velocidade, como se faz na escola."
De acordo com os pesquisadores, a margem de erro é de 10 nanossegundos (um sexto da diferença entre a velocidade da luz e a dos neutrinos estudados).
Segundo Ereditato, até mesmo eles estão descrentes e acreditam que suas medições podem estar erradas, embora tenham buscado de todas as maneiras eliminar a possibilidade de erro sistemático.
A ideia de divulgar a pesquisa foi justamente para pedir à comunidade científica que investigue o que pode estar acontecendo. "Somos obrigados a dizer alguma coisa", afirmou. "Não poderíamos varrer para debaixo do tapete, poreque seria desonesto."
Outras dimensões
Até mesmo quem trabalha na fronteira da física teórica foi pego de surpresa. Nathan Berkovits, pesquisador da Unesp (Universidade Estadual Paulista), também acredita na hipótese de erro sistemático.
Ele trabalha com as supercordas, uma das tentativas de unificar a relatividade e a mecânica quântica num único arcabouço teórico, e um dos preceitos dessa teoria é a existência de outras dimensões espaciais, além das que conhecemos.
Poderiam os neutrinos estar pegando um "atalho" em outras dimensões para chegar mais cedo que a luz?
"Não conheço nenhum modelo de dimensões enroladas que vá produzir esse efeito", diz Berkovits. "Isso não quer dizer que não exista essa possibilidade, mas nunca ouvi esse tipo de previsão vindo de dimensões enroladas. Para mim, o mais provável é que os experimentalistas tenham cometido algum erro sistemático."
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